sexta-feira, 18 de outubro de 2024

O animal roubado (ou o elo perdido)

Sou eu quem crio a brisa, o sal e o sangue. 

É por esse meu fazer tão antigo que posso: 1º conhecer; 2º viver; 3º dizer; e por fim, ver.

Criando a brisa, fui transportada por ela ao rio, e afundando lá embaixo no rio, apartei a areia das folhas e do cascalho. De repente, fez-se o sal. 

Empalideci no mesmo instante. Com cuidado, tirei debaixo do sal o silêncio. A voz que surgiu perguntou-me quem eu era. O horror tomou conta de mim, pois não havia nenhum antepassado a quem eu pudesse recorrer. Que horror! A voz sabia palavra. 

A voz que eu descobri confessou que havia roubado o não velado de minha natureza. E me deu a fala e a única posse possível - a falta.

 

Um lago com ninfeias azuis
Muito longe uma voz sussurra
É tempo de nascer de novo.

E no fundo do lago irradia uma luz celestial
Que nutre os cabelos de garotas indianas
Essa água é pura. Não, essa água é impura.

De muito longe, as meninas encaram o crocodilo
E aquele olhar laranja amarelado fica cravado na alma.
Por muito tempo eu quis, até desistir de querer
E quando encostei meus pés na água, já não era tão fria.

A luz do luar invadia pequenas gotas sobre a folhagem
Os insetos respeitavam a névoa e os segredos emudeciam
Tudo que eu vi era belo e tranquilo
Porque todos dormiam. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O sentido

"O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do universo. Relação, não coisa, entre a consciência e a vivência e as coisas e os eventos. O sentido dos gestos. O sentido dos produtos. O sentido do ato de existir. Me recuso a viver num mundo sem sentido. Estes anseios/ensaios são incursões conceituais em busca do sentido. Pois isso é próprio da natureza do sentido: ele não existe nas coisas, tem que ser buscado, numa busca que é sua própria fundação. Só buscar o sentido faz realmente sentido. Tirando isso, não tem sentido." - Paulo Leminski.


É o sentido das palavras que me encontra, este é o único fato irrecusável da minha existência.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Natureza morta

De que valem os séculos
se já conheço todos os cantos da aurora
Quero que a chuva forte
arranque minhas raízes
desta terra vil

Apodrecer no rio disseminando
a vida de sementes distraídas
nos arroios límpidos do paraíso

E depois de milhares de anos,
viro o sonho da lama negra
escapando minhas partículas
no ar (infinitas possibilidades)

Sempre na superfície...
A ambição dos homens
não alimenta sequer seus desejos
anseio por apodrecer no outono

Me sinto bem entre os vermes
e a umidade da terra nutre
meus ossos de madeira,
solidão

Lenho

Meu desejo é matéria-líquida
que não pode ser controlada
pertenço a todas as carícias de
furtivos amantes
vento  pele tecido calor

meus ossos têm a textura
dos nossos sonhos entrelaçados
todos simples e
(imóveis) lugares

a floresta dos pensamentos desespera
a criança assustada que qualquer
artista:amador carrega

minhas lembranças se foram
comidas pelo deserto barulhento
da bomba cardíaca e raios elétricos
de cérebros mortos

Na primavera de Minha Vida
consumi com lógica e ferocidade
flores jovens e folhas azedas
desse jardim trancado por dentro

sábado, 22 de novembro de 2014

Sensibilidade

É meia-noite
sinto um arrepio
o vento frio dá a volta
na montanha

O campo verde agora parece cinza
apenas o luar púrpura vigia minha trilha pela montanha
Sinto-me leve não carrego mais o corpo
apenas minh'alma balança com a ventania
instintivamente em direção ao topo da montanha

O luar me observa de longe
colore minha pele e cabelo
um pássaro ocre, dourado
algumas plumas vermelhas colore em meu espectro
e como asas leva minha alma para o sol

domingo, 30 de janeiro de 2011

Monólogo ou Conversas com o espelho


Querer mudar dói porque significa negar um pouco de si
eu sempre quis ter menos influencias possíveis, ou pelo menos as melhores,
não no sentido moral, no sentido mais verdadeiro entende?
( . . . )
eu confesso, eu gostava de mim mais livre, sabe
quando eu não queria tanta coerência
quando eu vivia um dia de cada vez
e dizia tudo o que queria sem me importar com o depois
parece que tem momentos que a gente vive mais e vive menos
vai ver é assim mesmo
e eu aqui falando como se já tivesse se passado uma vida inteira